Mateus advém de um dom imediato e dador de conselhos ou, conforme alguns estudiosos, tem raiz nas palavras Magnus e Theme a corresponderem à Mão de Deus, um facto aferido na rapidez da conversão, notável pregação, perfeição da sua vida e por ter sido um dos principais redactores do Evangelho. O nome Levi significa retirado, anexado, acrescentado, na medida em que retirando-se da função de cobrador de impostos, aditou o número dos Apóstolos, confirmou a denominação de dádiva de Javé aquando da chamada de Jesus para seu discípulo e figura no rol dos mártires da Igreja.
Mateus, judeu de naturalidade, filho de Alfeu (chefe subalterno no ofício de cobrador de direitos de portagem na fronteira de Cafarnaúm, ao serviço de Herodes Ântipas), aquando no exercício da sua actividade, sentado diante da mesa de trabalho, enfrentou a figura de Jesus Cristo que o convidou a largar a profissão de cobrador e segui-lo. Mateus respondeu afirmativamente, deixando o serviço de Herodes e seguindo Jesus e seus discípulos, numa longa epopeia de apostolado e evangelização até ao martírio, após pregar e catequizar muitos dos seus compatriotas, redigir e escrever os Evangelhos.
Após a morte no século I da era de Cristo, o seu nome e obra, fama e devoção chegou ao século XXI - quer na qualidade de patrono dos cobradores de impostos, alfandegários e seguranças, quer na titulação de igrejas e capelas, santuários e altares ou, ainda, por ser motivo de grandes festas e romarias, peregrinações e devoções.
A imaginária artística cuidou da sua imagem e função ao apresentá-lo vestido de Apóstolo e ter por emblema o tinteiro e a lança, a espada ou alabarda, a saca ou caixa de dinheiro.
Romarias e promessas
O fim-de-semana mais próximo do dia 21 de Setembro é o momento aprazado para as comunidades da vila e concelho de Soure promoverem as maiores festas da edilidade, em honra do apóstolo Mateus - que, em simultâneo, representam uma das maiores peregrinações e romarias da região do Baixo-Mondego, Gândaras e norte da Extremadura.
Esta importância está provada desde tempos ancestrais, provavelmente desde a erecção no século XII por Rício de uma ermida em sua honra nos arrabaldes da vila de Soure, num local denominado como monte de S. Mateus, cuja origem pode ser testada numa lápida grafada sobre o cenotáfio de Ríco (Rijo). A ermida e função foi jurada in verbo sacerdotis a 14 de Maio de 1721 pelo vigário de Soure, Manuel Rodrigues v nos seguintes termos: Ha a ermida do Apóstolo S. Mateus, cabeça de húa Comenda de q. S. Mag.de q. Deos g.de fes m.ce a An.to Possanha de Castro na qual ha contínua concorrencia de gente pella imagem do dº S.to ser m.to milagroza. [Tem a ermida do Apóstolo S. Mateus (...) contínua concorrência de gente pela imagem do dito santo ser muito milagrosa].
É a Fé e o acreditar nos feitos como santo milagreiro que desde tempos remotos funciona como epicentro de vasta multidão de devotos, peregerinos e romeiros a cumprir promessas e oblações prometidas ao longo dos anos, quantas vezes em momentos difíceis da vila material e temporal. As preces mais frequentes visam ajudar a solver pequenas mazelas de ordem física, tipo unhas encravadas e verrugas, quistos e cravos, peterígios e malformações ou a solicitar a protecção dos animais, searas e pomares. Daí, as ofertas e oblações em norma advirem da mãe natureza ou da força do trabalho.
Desta forma os devotos em tempos de antanho depositavam sobre o altar abóboras e espigas (milho e trigo, centeio e arroz), uvas e frutas das novidades, rãs e sapos, lagartixas e gafanhotos, pulgas e moscas, aguardente e vinhos ou mesmo devotos de formação deficiente não se coibiam junto do altar dar umas palmadinhas nas nádegas e expelir gases tóxicos passíveis de infestar ambiências e outros devotos.
Felizmente, os primórdios do século XXI encarregou-se de eliminar comportamentos nada compatíveis com a época e junto ao altar de S. Mateus apenas são depositadas flores - e muitas!
As velas de cera são queimadas em sítio próprio, as ofertas recepcionadas pelos mordomos e depositadas na sacristia. Em 2005, e embora um devoto ainda tenha aparecido com duas rãs num frasco (recusadas pelos mordomos), as ofertas - além do dinheiro, da cera e das flores - foram as uvas e feijão, abóboras e melões, melancias e cenouras, cebolas e alhos, vinhos e sumos, morcelas e chouriços, milho e arroz, batatas e tremoços, biscoitos e rebuçados, nozes e pinhões, trigo e aveia, azeite e maçãs, broa e pão, farinha e tabaco, azeitonas e ovos, roupas, sapatos e brinquedos, etc..
Em suma, um ofertório da época passível de leiloar e os proventos reverterem para a conservação da ermida
A edilidade sourense assinala o dia de S. Mateus como feriado municipal, o que motiva o hastear da bandeira no edifício do município e a sessão solene de distinção e homenagem às figuras e instituições filantrópicas do concelho.
A par das festas profanas, ocorrem na ermida de S. Mateus novenas, tríduos e missas com ênfase maior na Eucaristia solene em dia do Apóstolo, que termina no olival de S. Mateus com um convívio-piquenicada das famílias sourenses, fruído na gastronomia regional, música, danças e cantares.
O tamanho é normal e típico de uma ermida de peregrinação: corpo de santuário com alpendres (século XVI) fronteiro e laterais, bem como duas sacristias (construção recentes) de ambos os lados. Em passado recente, sobre a sacristia do lado do Evangelho edificou-se um miradouro que proporiciona uma visão dos campos e da vila de Soure.
O alpendre forma-se de pequenas colunas dóricas quinhentistas, assentes sobre um muro. A frontaria é marcada por óculo superior sobreposto pela esfera armilar e cruz de Cristo. A torre sineira ergue-se ao lado do Evangelho, a porta principal é de arco quebrado. No interior, o arco cruzeiro transformado antecede a capela-mor e o retábulo de madeira dourada do século XVIII entronizando a escultura figurativa de S. Mateus do século XV.
Nas paredes da capela e sacristia encontram-se restos de fragmentos de azulejos sevilhanos do século XVI e nos pavimentos vestígios de campas sepulcrais.
Ao lado da porta principal, do lado da Epístola, sob o alpendre, encontra-se uma mesa de altar (sítio onde se cumprem muitas promessas) a funcionar como sendo o sepulcro de S. Rício (fundador da ermida), encimado por um nicho com a escultura do S. Rício ou Rijo, em pedra gótica do século XVI, representando-o vestido de eremita, de bordão e livro. Na parede supra, uma lápide em letras unciais cuja tradução é a seguinte:
Aqui jaz Rijo (Ricio) que com
grande trabalho desbravou este
lugar de verasíssima matta
virgem, o arrancou, e nele construiu
uma igreja em Honra de São
Matheus Apóstolo. Faleceu em
dia 30 de Dezembro, dia de
São Tiago, da era de 1190.
Soure, a Villa de Saurium na língua latina, é das povoações mais ilustres da Antiguidade, de que são sinais mais que evidentes os restos do castelo, uma edificação da responsabilidade de D. Afonso III, rei de Leão, no século IX, muito antes da fundação da nacionalidade.
A par das cidades de Coimbra e dos castelos de Montemor-o-Velho e Santa Olaia, as suas gentes pelejaram na luta entre cristãos e mouros, a ponto de em 1111 o conde D. Henrique (pai de D. Afonso Henriques) a constituir em Município e D. Tereza a 19 de Março de 1128 a doar à Ordem dos Templários para funcionar como pólo dinamizador das vilas da Ega, Redinha e Pombal e cuidar do assalto e tomada das cidades de Santarém e Lisboa.
O rei D. Manuel I concedeu-lhe novo foral a 13 de Fevereiro de 1513 e em 1532 é concedido o título de Conde de Soure na pessoa de D. João da Costa, uma figura notável da Restauração em 1640. No século XVIII, após a criação da Ordem de Cristo, a legítima herdeira dos Templários detinha as comendas e alcaidaria da vila de Soure, S. Tomé de Alencar, S. Pedro das Várzeas, S. Mateus de Soure e moinhos do Paleão.